Quem são os culpados?

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 5 minutos

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Engenheiro civil e presidente do Instituto Brasileiro do Concreto (IBRACON) escreve sobre o colapso da Estação Pinheiros do Metrô de São Paulo.
Os paulistanos, os paulistas, enfim, quase todos os brasileiros estão perplexos, desapontados e assustados com o acidente de grandes proporções havido no dia 12 de janeiro com o colapso da Estação Pinheiros do Metrô de São Paulo, durante a construção da Linha 4, Amarela.

Não poderia ser diferente: quando a engenharia falha, as conseqüências podem ser gravíssimas. Uma ponte, um edifício, um viaduto, uma estrada, uma barragem, uma galeria de águas pluviais ou de esgotos, uma obra de Metrô, e até uma simples casa, devem ser cuidadosamente projetadas, construídas com materiais resistentes e duráveis, operadas corretamente e submetidas a manutenção preventiva e corretiva ao longo de sua vida útil, assegurando proteção, segurança, conforto, saúde, economia, rapidez, salubridade aos seus usuários. O patrimônio construído é um dos maiores bens de uma nação e está diretamente ligado ao seu desenvolvimento social, industrial e de bem estar.

Como essa engenharia, uma nobre atividade técnica e de tamanha importância e tradição, foi permitir que as obras da Estação Pinheiros do Metrô chegassem ao colapso? Quem são os culpados, qual a origem do problema e as causas atuantes?

Para identificar os culpados, será necessário cumprir as seguintes grandes etapas:

1. Formular uma ou mais hipóteses, adequadas e consistentes, sobre o mecanismo do acidente. Aqui cabe ouvir todos (profissionais e leigos) e deixar a mente fluir “tempestade cerebral”, juntando um pouquinho de cada um até a formulação de uma hipótese bem viável e consistente. O ideal nesta fase é contar com um grupo técnico-científico multidisciplinar coordenado por um engenheiro de opiniões flexíveis. Vários especialistas de diferentes entidades de elevada credibilidade deveriam fazer parte deste processo e certamente o farão;

2. Com base nessa(s) hipótese(s), reunir e analisar toda a documentação existente na busca de “demonstrações” ou “provas” da(s) hipótese(s) formulada(s). Em paralelo e também com base nessa(s) hipótese(s), sair a campo com muita astúcia, cuidado e atenção na busca de “indícios evidentes” e “provas experimentais e físicas” que permitam comprovar ou negar a(s) hipótese(s) anteriormente formuladas. Esta etapa requer pessoal experimentado em perícias, vistorias, inspeções, ensaios, análises, de forma a reduzir o risco de perda, destruição involuntária ou mascaramento de “provas”. Requer também muita ética, honestidade, competência, formação. De qualquer maneira, o ideal é que todo este processo de investigação, inspeção e análises seja sempre muito transparente, com a participação de representantes de várias entidades;

3. Formular um diagnóstico final, consubstanciado e consistente do ocorrido, em que fique claro e transparente, no mínimo, os aspectos relacionados ao mecanismo do colapso, aos agentes causadores do acidente e às origens do problema. Um diagnóstico correto deve esclarecer qual o mecanismo consistente, efetivo e real de ruptura ocorrido, ou seja, como se deu o colapso.

Na seqüência deve enumerar os agentes causadores do colapso, distinguindo os agentes diretos (espessura insuficiente de rocha sobre o arco do túnel, resistência inadequada dessa rocha, dinamite em quantidade excessiva ou dinamite em local inadequado, ausência de dados de monitoramento ou monitoramento inadequado, etc.) daqueles agentes aceleradores ou agravantes (chuva, vibrações decorrentes do tráfego na Marginal do Rio Pinheiros, interferência nefasta das fundações da grua nas paredes do poço/shaft, etc).

O terceiro aspecto do diagnóstico deve considerar o processo complexo de uma construção dessa natureza e identificar em que fase do processo o problema teve origem: se no ante-projeto (do Metrô, no caso); se na licitação e quantitativos estimados; se num projeto estrutural e geotécnico inadequado; se numa construção apressada e temerária; se num insuficiente ou incorreto monitoramento de recalques e alinhamento; se num controle de qualidade deficiente; ou se num gerenciamento de projetos e execução pouco ágil.

Assim, poder-se-á precisar em qual dessas fases do processo houve o início do problema.

No ponto de vista de vários especialistas, o papel direto da Engenharia termina com esse diagnóstico técnico no qual não são indicados culpados. Um bom diagnóstico técnico descreve o mecanismo, os agentes causadores, indica a origem do problema, a fase em que o problema principal ocorreu, mas não dá nomes aos culpados. Identifica a fase do processo que houve falhas, mas nunca nomes.

Indicar culpados é papel e dever da Justiça, com base nos laudos, perícias e relatórios técnicos, que não serão, jamais, exclusivos de uma única instituição ou de uma só das partes envolvidas. Deverão existir vários laudos/relatórios técnicos, que, estes sim, no seu conjunto, serão analisados e julgados no âmbito da Justiça, e não da Engenharia Civil.

Falha zero é impossível e inviável economicamente. Reduzir riscos de falhas e aprendizado permanente é obrigação da Engenharia. Cabe agora aprender a lição e daqui pra frente fortalecer as ações naquela fase do processo que mais falhou. Conhecer o diagnóstico permitirá também saber se há hoje uma deficiência crônica e patológica de forma de contratação, de insuficiente formação universitária, de incorreta legislação profissional, de ausência de normalização e/ou outras que precisem sofrer uma revisão e evolução.

Paulo Helene, 57, engenheiro civil, é presidente do Instituto Brasileiro do Concreto (IBRACON) e professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde leciona nas disciplinas de Concreto (materiais) e Patologia e Reabilitação de Estruturas de Concreto. É também coordenador internacional da Red Rehabilitar CYTED e membro do fib(CEB-FIP) Model Code for Service Life Design.

Autor: Paulo Helene
Fonte: SuperObra.com