O meio ambiente segmentado

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 3 minutos

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Sátyro Pohl Moreira de Castilho, engenheiro civil, presidente do Crea-MT. Em 02/08/2004.

Assistimos, nas últimas semanas, uma reação ecologista ao desenvolvimento desenfreado em Mato Grosso. Nota-se que tal reação não é contra o desenvolvimento em si, mas contra a forma que tal desenvolvimento está ocorrendo. O Estado, sem sombra de dúvida, deteriorou-se ambientalmente nos últimos 20 anos. Houve progresso econômico, mas há um preço a ser pago. E, em grande parte, tal passivo é responsabilidade do poder público, em diferentes esferas.

É fácil culpar o produtor rural ou o setor madeireiro pelos danos ambientais no Estado. Mas penso que a máquina de radiografia precisa ser ajustada para alcançar outras áreas também responsáveis. Mato Grosso ainda hoje possui um mapeamento rural precário. Nos anos 70, produtores rurais foram trazidos para o Estado sob amplas promessas. E, aqui, foram praticamente abandonados. Muitos perderam tudo. Tal prática, por incrível que pareça, continua. Sabemos de assentamentos rurais que são criados em Mato Grosso sem qualquer condição de fixação do homem na terra. Os colonos são largados em lugares sem a mínima assistência. Certamente, haverá efeitos ambientais.

Qualquer leigo que ler a legislação ambiental perceberá o quanto ela é avançada, embora tenha ainda lacunas a serem preenchidas. Mas o aparato administrativo está aquém, muito aquém, da lei. Os órgãos ambientais não possuem condições suficientes para implantar a legislação. Os administradores municipais, em grande parte, sequer informações têm sobre o que precisam fazer quanto ao meio ambiente. E distorções permanecem: Uma delas é o pagamento do ITR para a União, sendo que cai nas costas dos municípios a realização do mínimo de infra-estrutura rural, como estradas vicinais por exemplo. A reforma tributária pouco contempla o aspecto ambiental.

A discussão ambiental em Mato Grosso precisa ser feita sem radicalismos. Os pecados atingem também a Universidade, não especificamente alguma instituição de Mato Grosso, mas o conceito de ensino universitário. Os setores docentes diversos pouco se comunicam. A interdisciplinaridade, tão abordada a partir dos anos 90, ainda engatinha. A crise universitária tem efeitos outros que são vistos muito além dos muros dos campi.

Se o ensino universitário peca pela falta de interdisciplinaridade, o profissional também possui dificuldades de atuar de tal forma. E, não raro, é limitado na compreensão da atuação de outras engenharias ou de profissões afins. A elaboração de EIA-Rima, por exemplo, depende fundamentalmente de óticas diversificadas sobre um mesmo tema.

Esse passado ambiental confuso em nosso país e, particularmente, em Mato Grosso gera desconfiança sobre qualquer investimento, não pelo investimento em si, mas pelo processo burocrático de sua liberação. Tanto é assim que as discussões pela pavimentação da BR-163, que pareciam estar em finalização, se radicalizaram na semana passada, com uma ofensiva de organizações não governamentais. Se por um lado penso que a BR-163 é essencial para o país, por outro temo que sua implantação não ocorra de forma sustentável, com projetos adequados a um processo de ocupação da Amazônia que se seguirá fatalmente nos próximos 20 anos às margens do asfalto.

Enfim, essa discussão é fértil e imprescindível, mérito em parte da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), que se manifestou de forma contundente em Cuiabá durante sua reunião anual, e também resultado da repercussão de obras de grande vulto que estão na pauta do governo. Além da BR-163, pavimentação até Santarém, ainda há – para o país – o desvio de águas do rio São Francisco para irrigar o Nordeste brasileiro, a construção de gasodutos etc. Mas a discussão tem que ser democrática e incluir, em seu bojo, a visão do ecologista, do produtor rural, do técnico e do cidadão comum, tanto da cidade quanto do campo. Afinal, o Brasil é uno e cada setor econômico e social é parte de um todo, infinitamente mais importante do que uma visão segmentada e radical, venha de onde vier.
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