A miséria atlântica

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 4 minutos

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Sempre me perguntei porque a Mata Atlântica continua a ser destruída. Quais os motivos e quem são responsáveis pelo desmatamento? A Mata Atlântica é uma das mais ricas e ameaçadas, que abriga grande diversidade biológica em termos de fauna e flora, que possui uma grande rede hidrográfica e que, atualmente, tem menos de 7% de sua cobertura original. Vamos conhecer a situação de alguns dos moradores da zona rural onde ainda há pequenas porções da mata original.

Caminhamos e chegamos a uma residência. Ficamos maravilhados vendo a mata fechada ao redor, os pés de embaúba branca, os bandos de saíras coloridas à procura de frutas. O Seu João Batista tem 52 anos. Nasceu num pequeno povoado próximo a cidade do Serro em Minas Gerais e tem quatro filhos. Fico imaginando a rotina de acordar, todos os dias, ouvindo o canto dos pássaros. Pela janela de madeira ele vê a mata quase intocada ao redor. Levanta-se e lava o rosto na água que jorra abundante na bica. Ele mora numa casa simples, feita de adobe (barro e madeira), não tem luz elétrica (nem complicados e modernos aparelhos) e nem água tratada ou encanada.

Na verdade, a família do Seu João não tem quase nada, incluindo a comida. No fundo do quintal há um forno de carvão e uma área desmatada que o GPS indicou ser de cerca de um hectare (10 mil metros quadrados). Infelizmente o Seu João estava muito doente e não pôde conversar conosco. Foi um custo acalmar a esposa e explicar que estávamos ali em primeiro lugar para ajudar. Ela afirmou que também tem doença de chagas e que o marido não podia sofrer contrariedade, pois se ele tivesse um “acesso” não teria condições de levá-lo a algum hospital.

O filho mais velho do casal estava trabalhando fora e quando retornou fomos dar uma volta e conversar. Tentei lhe explicar que vivia em um dos lugares mais belos do mundo, que deveria arranjar outra atividade, que derrubar a floresta sem autorização dá multa, que armazenar e transportar carvão sem autorização também é crime, que de tanto desmate, só restava menos de 7% de toda essa mata. Desisti de continuar nessa linha ao verificar que ele não estava entendendo nada. Ele não sabia o que significava o termo 7%. Disse-me que o carvão é a única forma de se ganhar dinheiro. Outra opção seria fazer trabalho braçal em alguma fazenda e ganhar R$ 15 por dia. Só que a coisa tava difícil e nem isso eles estavam conseguindo.

O forno estava cheio de lenha e ao lado já havia cerca de cinco metros de mais puro carvão vegetal atlântico. De vez em quando um caminhão aparece e leva tudo embora, não sabendo para onde. Com esse dinheiro é que sustenta os pais e os irmãos. Sugeri que eles podiam criar galinhas e codornas, fazer uma horta, plantar frutas, cultivar cogumelos ou qualquer outra atividade que não fosse desmatar e fabricar carvão. Eles ouviram com a educação, humildade e paciência particular do brasileiro da zona rural, porém eu sei que o ronco da fome imediata fala mais alto.

Acompanhando a escalada cada vez maior do desmatamento vem o descontentamento e a vontade de parar a destruição, de explodir as motoserras, quebrar os fornos de carvão e torcer o pescoço de quem derruba as árvores. Como temos códigos de conduta e leis a serem seguidas, como a razão deve prevalecer sobre a emoção, esses sentimentos ficam quietinhos num canto e não se manifestam. Vi a realidade do Seu João. Eu poderia ser filho dele. O sentimento agora é outro.

Na cidade do Serro não vi nenhuma indústria. Exceto pelo comércio, não pude ver nenhuma fonte de renda. Nessa cidade, um vereador ganha na faixa de R$ 1 mil por mês para poucos comparecimentos na câmara municipal. Cito o exemplo do vereador, pois ele é o representante da terra, que está mais próximo do povo e que conhece a situação. Enquanto ele ganha esse valor a cada mês, centenas de famílias atlânticas estão passando fome. Não somente os vereadores, diversos outros representantes estaduais e federais foram eleitos e não estão fazendo nada por esses pobres brasileiros abandonados.

Felizmente alguém da equipe ficou muito sensibilizado com a situação e tiveram a idéia de sair cadastrando algumas dessas famílias. Quem sabe não podem ser alcançados por algum programa de geração de renda auto-sustentável. A esperança é a última que morre. Existe ainda a situação de um cara que está morando nos Estados Unidos e comprou terras para investir, do fazendeiro que tem uma grande quantidade de terra e está desmatando para fazer pasto ou plantar eucalipto. Diversos aspectos de uma grande destruição. Oro e peço ao Deus Santo que abençoe e proteja a família do Seu João.

Enquanto as famílias atlânticas estiverem abandonadas todas as formas de proteção serão inúteis.

*Hélio de Souza Júnior (hswapo@gmail.com) é ambientalista e sonha com um mundo melhor para as futuras gerações.