Podemos triplicar a produção de grãos sem desmatar

10 de janeiro de 2007, às 0h00 - Tempo de leitura aproximado: 8 minutos

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‘Podemos triplicar produção de grãos sem derrubar mais uma árvore’

Marina diz que não pode ser a única no governo a pensar na questão ambiental e alerta para riscos comerciais

Em seu gabinete na Esplanada dos Ministérios, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, guarda uma foto da época em que entrava na floresta, acompanhada de dezenas de pessoas, para tentar evitar, mesmo sem armas, a derrubada ilegal da mata. ‘Alguém como eu, que nessa época só tinha a vida para lutar contra o desmatamento, hoje poder descer numa área com 480 policiais federais, é uma oportunidade que só posso agradecer’, diz. Ela evita falar no assunto, mas é possível perceber que Marina tem vontade de ficar no posto no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Marina diz que não pode ser a única no governo a pensar na questão ambiental. Afirma que, se o Brasil não tiver cuidado, pode começar a ter os problemas de meio ambiente usados por outros países como justificativa para erguer barreiras comerciais. ‘Esse pensamento estratégico não precisa estar apenas no Ministério do Meio Ambiente. Tem de estar na Agricultura, em Minas e Energia, na Indústria e Comércio’, avalia, nesta entrevista ao Estado. ‘A bola está cada vez mais nas mãos dos setores que lidam com a agenda do desenvolvimento.’

Nas últimas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao falar dos entraves ao crescimento do País, mencionou várias vezes os problemas ambientais. Chegou-se a alguma conclusão nesse debate dentro do governo?

Foi um debate bastante intenso, real e necessário em relação à questão do desenvolvimento e à necessidade de proteção ambiental. Com certeza, o que ficou desse debate foi que a sociedade disse claramente que quer ver o País crescer, mas quer que isso aconteça sem prejuízo para os avanços alcançados com a legislação ambiental, quanto a sua implementação e eficácia, e a proteção dos recursos naturais.

Mas o que ficou desse debate? Como será o trabalho neste segundo mandato?

No meu entendimento as bases estão dadas. O processo que foi acumulado durante os quatro primeiros anos incorporou critérios de sustentabilidade no planejamento das ações dos outros setores de governo. Foi a primeira vez que se teve experiência de tratar meio ambiente no planejamento de empreendimentos. O debate é intenso, mas é a única forma de lidarmos com essas complexidades. O grande desafio é dar continuidade a esse processo.

E os licenciamentos ambientais para obras de infra-estrutura, de que tanto se reclama que são lentos?

Essa questão do licenciamento talvez seja o que mais avançou nos últimos quatro anos. Em 2006, inclusive, batemos um recorde. São 272 licenças para um país em que até 2003 a média era de 145 licenças por ano. Chegamos a mais de 220 licenças por ano em média. Graças à opção que foi feita de que não faríamos processos atabalhoados e iríamos reestruturar o setor ambiental. Esse ministério existe há 14 anos e, dos 900 funcionários que temos aqui, só 75 eram efetivos. Agora, vamos deixar uma estrutura de Estado que, independentemente de quem é o gestor, vai saber dar continuidade. E chegar ao fim do ano com 272 licenças e sem nenhuma ação suspensa na Justiça é algo que o empreendedor, a sociedade e o próprio governo têm de preservar.

E fiscalização ambiental? Muitas das críticas ao governo são exatamente sobre a falta de estrutura para fiscalização.

Na área de fiscalização avançamos muito. Tivemos uma queda de 75% no desmatamento da mata atlântica nos últimos 5 anos. Em relação à Amazônia, temos hoje um plano de prevenção e combate ao desmatamento, estruturado corretamente, sem ações pontuais e pirotécnicas, que prevê a parte de ordenamento fundiário, apoio às atividades produtivas sustentáveis e toda uma ação integrada com 13 ministérios. Já tivemos os primeiros resultados, 52% de queda no desmatamento na Amazônia.

Mas há gente suficiente para dar conta da fiscalização no País todo?

Nós fizemos um concurso, aumentamos em 33% o efetivo do Ibama. Vamos fazer uma chamada de mais 300 concursados. O Ministério do Meio Ambiente trabalha com a necessidade de um concurso para mil novos analistas ambientais e isso vai ser um desafio para a próxima gestão. O trabalho integrado com a Polícia Federal, o Exército, a Polícia Rodoviária Federal e, em alguns casos, fiscais do Ministério do Trabalho tem feito a diferença. Fazemos trabalho conjunto com polícias ambientais de diversos Estados. Você otimiza recursos financeiros, humanos e, principalmente, resultados. Então não há uma percepção de que se tem de agigantar o Ibama. Há uma percepção de que tem cada vez mais de estruturar o sistema nacional de meio ambiente e fazer com que cada um cumpra com suas competências.

A proteção ao meio ambiente é uma prioridade para o governo federal? Não se fala pouco em meio ambiente?

Eu acho que nos últimos quatro anos tem se falado bastante em meio ambiente.

Mas não é mais na sociedade em geral? No governo não se fala pouco?

Dentro do governo também. Eu desconheço que tenha acontecido em qualquer época tanto envolvimento do setor ambiental nas decisões de governo nos vários assuntos ligados ao desenvolvimento como aconteceu nos últimos quatro anos. Temos vários exemplos importantes. Hoje temos uma agenda intensa com 16 ministérios – sem contar aqueles com que já trabalhamos juntos regularmente, como Educação, Cultura, Saúde – em mais de 40 grandes ações. Não é uma discussão em que vamos ali dizer ‘olha, tem de ter cuidado, tem de ver’, mas vamos concretamente oferecer solução. Envolve capacidade de gestão, de se saber o que estamos fazendo.

A senhora acredita que o País realmente avançou nos últimos quatro anos?

Em que pesem os problemas, fico feliz porque o País avançou muito em termos de opinião pública e também em termos de processo. O Brasil tem 45% de sua matriz energética renovável. Que país pode dizer isso? Tem 81% de sua matriz elétrica renovável. Mesmo assim, sabemos que ainda há muito o que fazer. E temos um potencial de energia renovável fantástico, os biocombustíveis, toda essa agenda. O Brasil tem de se apropriar estrategicamente dela. E não apenas para viabilizar os biocombustíveis, mas os processos também.

Que benefícios o País pode ter a partir dessa agenda renovável, como a senhora diz?

Se não tivermos cuidado, nossos produtos vão começar a ser barrados por interesses comerciais não revelados usando argumentos não-tarifários. Esse pensamento estratégico não precisa estar apenas no Ministério do Meio Ambiente. Tem de estar na Agricultura, nas Minas e Energia, na Indústria e Comércio. Tem de ser parte da nossa visão de País, porque o Brasil pode se transformar numa potência que junta a visão, o conceito, o produto. Esse é um diferencial que não podemos perder. Se não tivéssemos reduzido o desmatamento em 52%, tenho absoluta certeza de que hoje o agronegócio brasileiro estaria em uma grande saia-justa. Só não vê isso quem não quer.

Mas essa discussão está sendo feita dentro do governo? Os demais ministérios também estão vendo essa possibilidade de diferenciar o País por meio do cuidado com o meio ambiente?

Essa discussão foi feita dentro do plano de combate ao desmatamento nos quatro anos de governo. A bola da vez está ficando cada vez mais agora nas mãos dos setores que lidam com a agenda do desenvolvimento, porque você não tem como trabalhar apenas com ferramentas de comando e controle. Tem um momento em que as coisas têm de se conformar. Nós temos 575 mil quilômetros quadrados de áreas desflorestadas abandonadas. O próprio Ministério da Agricultura confirma que podemos triplicar a produção de grãos sem derrubar mais uma árvore. Quer notícia melhor que essa? É só usarmos a tecnologia que temos para fazer isso e darmos um diferencial aos nossos produtos.

A senhora está satisfeita com seu trabalho no ministério? A experiência como ministra foi gratificante?

Eu sou imensamente agradecida a Deus por essa e por várias oportunidades. Senti-me muito honrada pelo convite que me foi feito pelo presidente Lula. Sabia que não seria fácil. Se fosse para ser fácil talvez fosse melhor ter ficado como senadora. Eu sabia que o grande desafio da gestão seria implementar a legislação. A opção de fazer política de governo, não de ministério, e que a política de governo fosse de País, de dialogar com todos os setores. É preciso saber que existe um preço que muitas vezes você tem de arcar com ele para fazer o que é certo, correto. Eu me alimento de fé, determinação e desafios.

A senhora já conversou com o presidente sobre sua permanência no governo neste segundo mandato?

Não conversamos ainda. Nenhuma conversa sobre isso, mas não tenho uma ansiedade em relação a isso.

Lisandra Paraguassú
Fonte: O Estado de S.Paulo