Para governo, novo Código Florestal induz ao desmatamento
6 de julho de 2011, às 0h00 - Tempo de leitura aproximado: 7 minutos
O projeto de reforma do Código Florestal (PLC 30/11) dá margem a diferentes interpretações, induz ao desmatamento e pode levar ao fim das áreas de preservação permanente (APPs). A preocupação foi apresentada ao Senado pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.
– O texto é inaceitável, pois, da forma com está redigido, leva ao fim das áreas de preservação permanente. APP é vida, assegura a água, o solo, a proteção da fauna. Sem isso, não temos serviços ambientais, que são estratégicos para a produção sustentável da agricultura brasileira – disse, referindo-se ao artigo 8º do texto, fruto da Emenda 164, apresentada por deputados do PMDB e aprovada na Câmara.
No debate de ontem, Izabella Teixeira destacou consequências para a economia brasileira resultantes do desgaste do solo devido à perda de vegetação.
– O país perde atualmente 822 milhões de toneladas de solo agrícola por ano e o assoreamento tem resultado na redução anual de 0,5% do volume dos reservatórios de água – frisou, defendendo que o país guarde coerência entre políticas para produção agrícola, proteção de florestas e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.
A ministra conclamou os senadores a elaborarem uma legislação que evite contradições no modelo de desenvolvimento.
– Não podemos expandir uma agricultura em torno de florestas primárias, quando temos imensas áreas degradadas como oferta. É preciso se ter uma visão estratégica de fomentar, de recuperar, de criar incentivos, de criar infraestrutura para tornar essas áreas competitivas, reduzindo a pressão sobre as florestas.
Na opinião da ministra, a biodiversidade brasileira é um ativo que deve ser utilizado de forma sustentável, para gerar riquezas para o país. Ela disse esperar que o Senado faça mudanças no projeto, a fim de que a nova lei assegure uma visão estratégica da biodiversidade como oportunidade, e não como obstáculo ao desenvolvimento.
– É a partir dessa riqueza que iremos gerar mais riquezas para o país.
Ao longo de quase seis horas de debate, em audiência conjunta das comissões de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) e de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), Izabella Teixeira apresentou a visão do governo sobre diferentes aspectos do projeto que tramita no Senado. O debate foi coordenado pelos senadores Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), presidente da CMA, e Acir Gurgacz (PDT-RO), presidente da CRA.
Ministra aponta itens que preocupam
No debate com os senadores das comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, apresentou as principais preocupações do governo em relação ao projeto de Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados.
Inconsistências podem gerar insegurança jurídica
A ministra disse que o projeto “deixa zonas cinzentas”, a começar pelo artigo 8º, que não define critérios para supressão de vegetação em APP. Em resposta a questionamentos de Blairo Maggi (PR-MT) e Ana Amélia (PP-RS), ela afirmou que o texto é genérico quando estabelece regras para a regularização de áreas desmatadas, o que pode dar margem a processos na Justiça.
Inconsistências no projeto foram também apontadas pelo senador Pedro Taques (PDT-MT), para quem o texto irá motivar a abertura de ações judiciais. Ele citou, como exemplo, a forma genérica do conceito de “área consolidada” usada no texto.
A ministra concordou que o projeto cria “nuvens de incertezas” e citou parte do texto que prevê a compensação de reserva legal independentemente da data em que houve a supressão da vegetação, o que pode induzir a novos desmatamentos.
Regularização de áreas desmatadas e anistias
Izabella Teixeira afirmou que o novo Código Florestal “não deve colocar no mesmo cesto quem cumpriu a lei e quem não cumpriu”.
Para a ministra, aqueles que seguiram a lei devem contar com segurança jurídica para continuar suas atividades. Já para os que descumpriram a legislação ambiental, o novo código deve prever condições para regularização de suas áreas.
– O governo não aceita qualquer entendimento sobre anistia que sobrevalorize a área consolidada ao invés de privilegiar interesse social, utilidade pública e baixo impacto ambiental – disse.
As regras para regularização previstas no projeto de reforma do código, de acordo com ela, são incoerentes, geram insegurança jurídica e abrem janelas para uso irregular de áreas protegidas, devendo, portanto, ser reformuladas pelos senadores.
Incentivos econômicos para manter e recompor floresta
O uso de instrumentos econômicos para incentivar a manutenção de florestas ou até mesmo a recomposição de áreas desmatadas deveria ser mais bem explorado no texto do novo código, na opinião da ministra do Meio Ambiente. Com opinião semelhante, Eduardo Braga (PMDB-AM) ponderou que as áreas protegidas podem ser transformadas em ganho para os proprietários rurais, a partir do uso de instrumentos econômicos.
Para o senador, o pagamento por serviços ambientais podem ser usados para estimular a recuperação de APPs e áreas de reserva legal. A preocupação em apoiar aqueles que querem reflorestar também foi manifestada por Blairo Maggi e Waldemir Moka (PMDB-MS). Ao comentar o assunto, a ministra disse acreditar que os senadores poderão explorar as potencialidades dos mecanismos econômicos ao fazer as modificações no projeto.
Agricultura familiar e quatro módulos fiscais
O artigo do projeto que libera da recomposição das áreas desmatadas as propriedades de até quatro módulos fiscais foi criticado por Eduardo Braga, Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Anibal Diniz (PT-AC).
A ministra disse que a questão da agricultura familiar está entre os pontos que preocupam o governo. Braga respondeu que não são as atividades de propriedades familiares na Amazônia que causam estragos, mas sim grandes áreas degradadas e abandonadas, que geram “desbarrancamento, desmoronamentos e assoreamento dos rios”.
Rodrigo Rollemberg disse que as medidas visando à regularização a serem previstas no novo código devem considerar três tipos de ocupações de terra: as feitas em tempos remotos; as incentivadas por governos nas últimas décadas, sob outra legislação; e as irregulares feitas na vigência das atuais leis ambientais.
Atribuição de competências: controle estratégico
Outro aspecto que mobilizou o debate diz respeito à divisão de competências na regulamentação das questões ambientais. Para Luiz Henrique, relator do projeto na CCJ, deve haver a descentralização dessas competências. Segundo ele, a União deve seguir a Constituição e se ater a normas gerais.
Para a ministra, o controle sobre a supressão de vegetação deve ser visto como medida estratégica. Delegar poder aos municípios para autorizar a supressão de vegetação em área protegida poderá se traduzir em perdas para o país, disse ela.Izabella defendeu a manutenção de diálogo com os estados sobre questões específicas em relação às áreas protegidas. O Código Florestal é uma norma geral e leva em conta que “os ecossistemas não respeitam os limites geopolíticos”, disse.
APP em área urbana: única forma de evitar catástrofes
Ao comentar preocupação do senador Casildo Maldaner (PMDB-SC), Izabella Teixeira disse que a manutenção de APPs em área urbana é um assunto de utilidade pública. Para ela, a questão não está tratada de forma adequada no projeto. Segundo a ministra, durante debate na Câmara não houve consenso sobre a forma de tratar o assunto, se em item específico no novo código ou se em outra lei.
Estudo realizado pelo Ministério do Meio Ambiente mostra a relação entre a retirada de vegetação em APP e os desastres decorrentes das fortes chuvas ocorridas no início do ano no Rio de Janeiro, informou a ministra. Para ela, a manutenção de área de preservação permanente nas cidades é fator essencial para evitar degradação do solo e reduzir riscos de catástrofes climáticas.
*Jornal do Senado
Foto: Gabeira.com.br