A cidade como um corpo

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 4 minutos

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Sátyro Pohl Moreira de Castilho, engenheiro civil, presidente do Crea-MT. Em 26/07/2004

Os problemas de uma cidade não podem ser vistos de forma isolada. Embora tal entendimento seja básico nas rodas de Engenharia e Arquitetura, o debate político normalmente não aborda as deficiências de uma cidade contextualmente. Alguns exemplos são clássicos. Podemos citar, por exemplo, a influência que a falta de saneamento básico provoca no atendimento médico em centros de saúde. O gasto fragilizado em rede e tratamento de esgoto vai gerar maior necessidade de recursos para o Sistema Único de Saúde.

Mas há outros exemplos. Quando não se planeja o perímetro urbano de uma cidade, o reflexo em serviços para a população é drástico. Podemos tomar como exemplo a tarifa de ônibus. Se o perímetro de uma cidade é contemplado com grandes distâncias e vazios urbanos comuns, a tendência é que o custo maior de combustível e manutenção do veículo empurrem o cálculo tarifário para o alto.

Ainda em relação à discussão da tarifa de ônibus, a ausência de pavimentação nas ruas ou a pavimentação inadequada ou, ainda, a prática de apenas “remediar” com efêmeros tapa-buracos as crateras que surgem nas ruas e avenidas irão influenciar também no preço da passagem. E quem paga a conta (e o pato) é a população. Apenas recentemente, Cuiabá – uma capital de Estado – conseguiu ampliar o índice de pavimentação das rotas de ônibus na cidade.

Um fato comum ainda no país é a elaboração de projetos por fragmentos. Explico: Determinada obra pública de maior porte, para ser executada, deveria ser contemplada inicialmente com amplos projetos, incluindo aparelhos que não serão implantados naquele momento, porém o serão posteriormente. Essa idéia, que parece óbvia e que condiz com os ensinamentos do que deva ser o planejamento urbano, não acontece na prática. Os projetos são dissociados de uma realidade contextualizada. Ao se planejar uma avenida, deveria estar ali – no projeto – o local da praça, a estrutura para o ponto de ônibus (mesmo que não haja ainda previsão de linha de transporte urbano para a região), o acesso a um posto de saúde, a demarcação para uma rotatória futura etc. Aos poucos, e durante os anos, serão liberados os recursos para a implantação do projeto completo e o índice de retrabalho será menor. Portanto, a economia do erário público será maior.

Acontece que o administrador público – e a imensa maioria de candidatos às prefeituras deste país – não têm a menor noção do quanto uma cidade precisa de projetos, antes de mais nada. O projeto antecede a obra, parece óbvio. Mas não se fala dele nas campanhas. As prefeituras, não raro, são acéfalas em relação às suas estruturas para pensar e implantar planejamentos urbanos. Procurem saber quantos arquitetos urbanistas há na estrutura administrativa de Cuiabá…

Mato Grosso é um Estado onde muitas cidades foram construídas através de projetos de assentamentos e de colonização nos anos 60, 70 e 80. São cidades que não surgiram do processo de aglomeração espontâneo. Quando uma cidade surge espontaneamente, pode ocorrer de se localizar em local impróprio e o jeito é se pensar alternativas para os reflexos negativos. Mas tal hipótese não deveria ocorrer em casos como os de cidades pensadas e implantadas. Mas ocorre. E há casos em Mato Grosso de cidades que hoje enfrentam problemas sérios de erosão ou de implantação de redes de água e esgoto porque foram construídas em locais inadequados. E, às vezes, a alteração de local para que tais problemas não ocorressem seria mínima, coisa de 20 Km, “um passinho” para o lado.

Alguns desses casos ocorreram pela idéia equivocada da cidade plana. Cidades planas, sem desníveis, encarecem a implantação de redes de saneamento. Mas é só um exemplo.

O assunto desta semana é amplo e estou apenas dando pinceladas. Mas a idéia é lembrar o quanto uma cidade deve ser vista como um conjunto, um todo, um corpo vivo que, se apresentar problemas, sentirá reflexos em praticamente todas as suas áreas. Só para finalizar, vamos citar o tema “lixo”. Uma cidade que não pense a coleta e destinação do seu lixo sentirá, na pele, problemas ambientais que poderão, inclusive, dificultar o investimento de empresas de outras regiões naquela localidade. E quantas cidades de Mato Grosso podem ser consideradas como exemplo em relação ao tema “lixo”?

Ora, há falta de dinheiro, sim. Claro que há. Mas há, também, falta de competência administrativa para a captação do pouco dinheiro que há. E grande parte desse dinheiro parco se perde pela ausência de projetos que pensem a cidade de forma global. Grande parte desse dinheiro é engolido pelo ralo da desvalorização profissional e técnica que uma gama enorme dos administradores públicos incentiva.
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Este espaço é atualizado toda segunda-feira.