O saneamento indo pelo ralo

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 4 minutos

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Adilson Valera Ruiz, geólogo, presidente do Sindicato das Indústrias da Construção do Estado de Mato Grosso (Sinduscon-MT). E-mail: avaleraruiz@geoeste.com.br

O governo federal promete realizar amplo levantamento sobre as condições de saneamento do Brasil no próximo ano. Já não era sem tempo. O sistema de saneamento no país foi para o ralo há anos por conta do escasseamento dos recursos aplicados no setor. Foi assim no governo Fernando Henrique Cardoso. Continuou assim no Governo Lula.

Conforme o IBGE, a falta de saneamento provoca internação de 375 pessoas a cada grupo de mil habitantes. A diarréia é uma das causas. Morrem, por doenças relacionadas à ausência se saneamento, 13 mil pessoas por ano no Brasil. Ora, é fácil concluir que a ausência de saneamento provoca aumento dos gastos em saúde pública. Não é possível falar em sistema preventivo de saúde enquanto não houver uma política clara de saneamento básico para o Brasil.

Com a pesquisa propalada pelo governo, espera-se que o poder público consiga dar características técnicas para a aplicação de recursos no sistema de saneamento, colocando para escanteio a prática política de destinação de verbas públicas. Uma capital, como Cuiabá, consegue tratar apenas 20% do que produz em esgoto. Mesmo a coleta, tem números críticos: 33,4%. Os dados são de 2002 e fazem parte do 2º Perfil Socioeconômico da própria prefeitura. Pelos números do município, a cidade gera 45,3 milhões de m3 de esgoto e coleta 15,1 milhões de m3. Porém, não trata sequer 9,2 milhões de m3.

O déficit de acesso a rede de esgoto não é demérito só de Cuiabá. Mato Grosso é apenas o 14º Estado em rede de esgotamento. Somente 12,4% de seus domicílios estão ligados a uma rede. E estar ligado a uma rede não significa o tratamento do efluente.

Editorial do jornal Gazeta Mercantil mostra que a ausência de saneamento básico no país é uma das causas para que o Brasil não tenha conseguido ainda conquistar sustentabilidade em seu desenvolvimento. O próprio jornal elenca: 25% da população ainda não dispõem de rede de esgotos e 80% não são atendidos por serviço de coleta de lixo. Somente 47% dos municípios possuem os quatro serviços básicos ligados a saneamento: abastecimento de água, coleta de esgoto, drenagem urbana e coleta de lixo.

Acontece que a política de saneamento no país é uma colcha de retalhos, envolvendo órgãos diversos espalhados entre União, Estados e municípios. Não se pensa uniformemente o ciclo do saneamento: produção, distribuição, coleta, transporte e disposição. Em Cuiabá, por exemplo, o setor que cuida do lixo está em uma pasta; o setor que cuida da rede de esgoto está em outro órgão; o setor que aborda a fiscalização ambiental está em um terceiro órgão… e falta integração entre todos esses órgãos e a pasta da Saúde. Essa prática é comum nos mais de cinco mil municípios brasileiros, com exceções apenas que confirmam a regra. Ah, e gestão compartilhada entre municípios no sistema de saneamento é praticamente inexistente. E, pasmem, não raro projetos habitacionais são elaborados sem qualquer adequação a sistemas de saneamentos. Vias são asfaltadas sem qualquer estruturação a projetos de saneamento…

Um dos problemas relativos ao saneamento está nas fontes de recursos. O dinheiro do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é usado aquém do necessário na área de saneamento e de habitação. Neste ano, o governo federal anunciou que a arrecadação do FGTS chegou a R$ 4,1 bilhões entre janeiro e setembro, recorde desde 1997. Ocorre que, vale lembrar, o melhor programa voltado para saneamento utilizando recursos do FGTS foi “contingenciado” pelo governo federal em 1998, ainda na gestão FHC. “Contingenciado” foi o termo usado pelo governo para dizer “congelado”. E congelado ainda continua. Estamos falando do Pró-Saneamento. Cada Estado tinha um conselho gestor paritário, com representantes da sociedade e do poder público, que fazia a priorização dos projetos a receberem recursos. As verbas eram repassadas aos municípios, após forte controle de suas contas pela Caixa Econômica Federal. Mas mataram o programa.

Enfim, não podemos mais conviver com liberação de verbas anuais no patamar de apenas R$ 7 bilhões para habitação e saneamento em um país que, apenas em relação ao seu déficit habitacional, precisa de R$ 70 bilhões. Desses R$ 7 bilhões, até outubro apenas 45% tinham sido efetivamente gastos. Da parte voltada ao saneamento – R$ 4 bilhões – somente R$ 250 milhões haviam efetivamente sido liberados em outubro. Conclui-se portanto que, além da liberação apenas de migalhas, mesmo os parcos recursos não chegam à destinação final por burocracias e outras “cositas”.

É preciso, enfim, ampla discussão e ação sobre o setor de saneamento no Brasil, que busque a priorização de recursos nesta área, bem como a agregação do setor aos projetos de habitação e pavimentação e à área de saúde preventiva e meio ambiente. Que os recursos sejam liberados de forma técnica. Que as obras sejam efetivamente de qualidade, já que rompimento de redes e desperdício de água são temas comuns no país. Que, enfim, o país consiga chegar a um patamar de investimento próximo ao necessário, que é de R$ 10 bilhões por ano para o início de um processo que efetivamente permita vislumbrar o fim do déficit no setor.