Pastagem Ecológica uma alternativa racional
21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 8 minutos
Jurandir Melado, engenheiro agrônomo, profº aposentado da UFMT e Consultor em Manejo Sustentável de Pastagens.
juramel@terra.com.br
A Pecuária brasileira é uma das mais desenvolvidas do planeta. Recentemente o país galgou o primeiro lugar na exportação de carne bovina e caminha rapidamente para a liderança também na exportação de leite. O Brasil, pela sua privilegiada situação e extensão geográfica, com a maior parte de seu imenso território possuindo um clima tropical, pode ancorar sua produção pecuária principalmente no manejo a campo. Isto permite ao país uma grande capacidade de produção a um custo que não pode ser igualado por nenhum outro país, incluindo os Estados Unidos e os países europeus. Porém, existe uma área da pecuária brasileira que, simultaneamente sofre de grave deficiência e, ao mesmo tempo, é a que pode possibilitar um tremendo incremento na produção e na produtividade, se conduzida da forma mais adequada. Esta área é exatamente a área que mais pode responder positivamente às nossas excepcionais condições ambientais: o sistema de manejo a campo predominante.
Pastoreio Contínuo: a principal causa da baixa produtividade e da degradação das pastagens.
No Brasil a maior parte dos estabelecimentos pecuários usa ainda o chamado pastoreio contínuo. Este sistema é o principal fator que contribui para a baixa produtividade (baixa capacidade de lotação) e a degradação das pastagens. Entende-se por pastoreio contínuo, o sistema onde o gado fica sobre uma mesma área de pastagem um período prolongado de tempo, de alguns dias a casos em que o gado fica permanentemente no mesmo pasto.
O gado, mantido indefinidamente sobre a mesma área, após alguns dias de permanência, passa a consumir o capim antes que ele complete o seu desenvolvimento, não permitindo que as plantas refaçam periodicamente suas reservas, exaure a pastagem, diminuindo progressivamente a sua produtividade e vigor, com reflexos também na cobertura do solo, que ficando desprotegido, fica mais suscetível aos efeitos da erosão. Neste sistema, em alguns anos a pastagem se degrada, necessitando que se promova uma reforma para que ela recupere sua capacidade produtiva.
Concluindo: não se pode pensar em pastagens sustentáveis, se o sistema de manejo utilizado é o pastoreio contínuo. Estima-se que de aproximadamente 100 milhões de hectares de pastagens cultivadas do país, cerca da metade ou 50 milhões de hectares, já estejam seriamente afetados pela degradação.
Este manejo extensivo, ainda predominante na grande maioria das propriedades brasileiras, obriga os produtores a reformarem suas pastagens periodicamente. Estima-se (SÓRIO, 2000) que, nos últimos 25 anos, só os pecuaristas do Centro Oeste Brasileiro tenham reformado cerca de 50 milhões de hectares de pastagens, a um custo aproximado de US$ 10 milhões no período. Talvez seja este o motivo mais forte para a baixa rentabilidade de pecuária bovina extensiva em nosso país.
A situação é semelhante também na Região Amazônia: com a redução da produtividade das pastagens pela degradação, aumentam a demanda por novas áreas de pastagens e, conseqüentemente a pressão por ampliação da área utilizada, o que significa novos desmatamentos da floresta.
No modelo predatório que predomina atualmente, a floresta é suprimida para o estabelecimento de pastagens, que, mal manejadas, diminuem rapidamente sua capacidade produtiva, impelindo os empreendedores a novas investidas sobre a floresta para a manutenção e/ou ampliação da atividade pecuária, num trágico ciclo que elimina grandes áreas da floresta amazônica todos os anos.
Pastagem Ecológica: o caminho racional para a Pecuária Sustentável
Pastagem Ecológica foi uma terminologia que usei para designar a pastagem que obtive na Fazenda Ecológica (N. Sª do Livramento MT), através do Sistema de formação ecológica de pastagens no cerrado, onde as pastagens foram formadas sem o uso de práticas convencionais, como o desmatamento prévio, o fogo e aração do solo. A pastagem resultante deste processo mantinha tão grande semelhança com o ecossistema original do cerrado, com manutenção das árvores e de grande números de espécies nativas, que o adjetivo Ecológica foi se impondo naturalmente. A partir de 1996, iniciamos a publicação dos resultados obtidos, sendo que a Pastagem Ecológica já foi tema de grande número de artigos e reportagens, além de quatro livros. (Ver bibliografia: MELADO, 1999; MELADO, 2000; MELADO, 2002; MELADO, 2003).
A tecnologia da Pastagem Ecológica se apóia cientificamente no Sistema de Pastoreio Racional Voisin, que já é considerado como o mais perfeito sistema de manejo de herbívoros a campo existente. (Ver bibliografia: VOISIN, 1974; VOISIN, 1979; ROMERO, 1994; ROMERO, 1.998; MELADO, 2003; SORIO, 2000; SORIO, 2003; PINHEIRO MACHADO, 2004;).
A Pastagem Ecológica, que pode ser obtida facilmente no cerrado através de procedimentos exaustivamente detalhados no meu livro Manejo de Pastagem Ecológica – Um Conceito para o Terceiro Milênio, pode também ser alcançada, em poucos anos, a partir de uma pastagem qualquer já formada, com a adoção dos seguintes requisitos:
* Aplicação criteriosa, do Sistema de Pastoreio Racional Voisin;
* Busca por uma diversidade de forrageiras (gramíneas e leguminosas);
* Arborização adequada das pastagens (com preferência por espécies nativas);
* Exclusão do uso de adubações químicas altamente solúveis, herbicidas, roçadas sistemáticas e o fogo.
O Sistema de Pastoreio Racional Voisin, proposto por André Voisin em 1957, na primeira edição francesa do seu livro Produtividade do Pasto, é um sistema que permite um equilíbrio positivo dos fatores Solo, Pasto e Gado, com cada fator tendo um efeito positivo sobre os outros dois. Neste sistema, a utilização da pastagem é feita através de uma rotação racional, que proporciona o melhor aproveitamento possível das forrageiras, resultando num nível de produtividade que chega a três vezes a alcançada pelo sistema extensivo na mesma pastagem. O Pastoreio Voisin é o principal componente da receita para que uma pastagem se torne sustentável e mais produtiva. Este sistema, cujo detalhamento não cabe aqui, tem seu ponto fundamental no atendimento das necessidades fisiológicas do capim, ao mesmo tempo em que se procura atender às do gado. Ao se fazer isto, automaticamente as necessidades do solo também são satisfeitas, proporcionando um equilíbrio positivo do trinômio solo-capim-gado.
O conceito de Pastagem Ecológica vem sendo usado de forma crescente em diversas regiões do país, principalmente na Região Amazônica, como o melhor caminho para a obtenção de uma pecuária sustentável e mais produtiva.
A aplicação da Pastagem Ecológica na Região Amazônica vem sendo estimulada há mais de cinco anos, por programas institucionais voltados para o desenvolvimento sustentável da região. As principais ações de fomento estão sendo implementadas pelo Programa Fogo Programa de Prevenção e Controle dos Incêndios na Floresta Amazônica, mantido pela Cooperação Italiana e implementado em Mato Grosso pelas ONGs Instituto Floresta de Pesquisas e Desenvolvimento Sustentável, no Norte, e Associação Agro-Sócio-Ambiental no Noroeste. Este programa vem divulgando a Pastagem Ecológica na região, através de palestras, cursos práticos e implantação de unidades demonstrativas, cujos resultados positivos já se mostram muito significativos.
A Pastagem Ecológica é também adotada como alternativa para o desenvolvimento sustentável da pecuária por outros programas como:
* Programa VidAmazônia Promoção da Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade nas Florestas de Fronteira do Noroeste de Mato Grosso, do GEF-PNUD, enquanto este programa foi implementado pelo Instituto Pró-Natura;
* Programa Terra Sem Males, mantido pela entidade inglesa: CAFOD – Fundo Católico de Apoio ao Desenvolvimento, em 15 municípios da região de Ji-Paraná RO;
* Projeto GESTAR Araguaia, da Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, que atua em 15 municípios do Baixo Araguaia MT;
* Projeto Cordão de Mata, desenvolvido na Região Norte do Rio de Janeiro, pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Ambientais Pró-Natura.
Além da aplicação por programas institucionais, que atendem com prioridade produtores familiares e pequenos produtores, a alternativa da Pastagem Ecológica vem sendo usada de forma crescente por médios e grandes produtores de diversas partes do país através de minha consultoria direta.
Em alguns casos, principalmente devido ao entusiasmo do proprietário, o projeto se transforma em Unidade Demonstrativa aberta à visitação. Um exemplo disso é o projeto implantado na Fazenda do Sr. Romério Martins Roncete, localizada em Guarapari ES, no trevo da BR 101, quase no perímetro urbano da cidade. A Fazenda, cujo nome foi em função do projeto, rebatizada como Fazenda Ecológica Rancho Novo, poderá ser visitada, bastando um contato prévio com o proprietário através do telefone (27) 3261-2397.
Principais publicações sobre a Pastagem Ecológica e Pastoreio Racional Voisin:
MELADO, Jurandir. Formação e Manejo de Pastagem Ecológica. Viçosa, CPT, 1999. 70 p. (Manual do Videocurso de mesmo nome)
MELADO, Jurandir. Manejo de Pastagem Ecológica Um Conceito Para o Terceiro Milênio. Aprenda Fácil Editora, Viçosa MG, 2000. 224 p.
MELADO, Jurandir. Manejo Sustentável de Pastagem sem o uso do fogo. Embaixada da Itália, Brasília DF, 2002. 60 p.
MELADO, Jurandir. Pastoreio Racional Voisin: Fundamentos – Aplicações Projetos. Aprenda Fácil Editora, Viçosa MG, 2003. 300 p.
PINHEIRO MACHADO, Luiz Carlos. Pastoreio Racional Voisin: Tecnologia Agroecológica para o Terceiro Milênio. Porto Alegre, Editora 5 Continentes. 2004. 314 p.
ROMERO, Nilo Ferreira. Alimente seus pastos com seus animais. Guaíba – RS, Livraria e Editora Agropecuária Ltda., 1994. 106 p.
ROMERO, Nilo Ferreira. Manejo Fisiológico dos pastos nativos melhorados. Guaíba RS, Livraria e Editora Agropecuária Ltda. , 1998. 110 p.
SORIO Jr., Humberto. A Ciência do Atraso: Índices de lotação da Pecuária do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Editora da UFPS, 2000. 160 p.
SÓRIO JR., Humberto. Pastoreio Voisin: Teorias Práticas Vivências. Passo Fundo RS, Editora da UPF, 2003. 400 p.
VOISIN, André. Produtividade do pasto. São Paulo: Editora Mestre Jou. 1974. 520 p.
VOISIN, André. Dinâmica das pastagens: devemos lavrar nossas pastagens para melhorá-las? São Paulo: Editora Mestre Jou. 1.979. 407 p.