Os Barões da Energia Limpa

8 de janeiro de 2007, às 0h00 - Tempo de leitura aproximado: 7 minutos

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Quando começaram a investir em equipamentos solares, eles eram considerados lunáticos. Agora, lideram um mercado de 20 bilhões de dólares

Habituado durante décadas a ser chamado de “lunático” em decorrência de seus projetos grandiosos e invenções aparentemente sem viabilidade comercial, Stanford Ovshinsky vive dias de glória aos 84 anos. Para a revista americana Time, ele é o “herói do planeta”. Outra publicação importante, a britânica The Economist, depois de comparar num artigo recente o empreendedor americano ao inventor Thomas Edison, entregou-lhe o prêmio de inovação em energia e meio ambiente de 2006. Sua companhia, a Energy Conversion Devices, fundada no início da década de 60 em Rochester Hills, Michigan, virou centro de peregrinação de figurões da política e do mundo empresarial. Um dos visitantes ilustres foi o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Ele esteve por lá em fevereiro e, impressionado com tudo o que viu e ouviu, não economizou elogios ao interlocutor, classificando-o de “visionário”.

A milhares de quilômetros dali, na província chinesa de Jiangsu, o físico Zhengrong Shi, de 44 anos, outro empreendedor cujos investimentos iniciais foram encarados com grande dose de ceticismo, também coleciona feitos impressionantes. O último deles foi ingressar na mais recente lista dos maiores bilionários do mundo elaborada pela revista americana Forbes. Com patrimônio estimado em 2,2 bilhões de dólares, Shi é o homem mais rico da China. Grande parte de sua fortuna deve-se à meteórica valorização das ações da Suntech Power, empresa que ele fundou em 2001. Quando a Suntech abriu o capital na bolsa de Nova York, em dezembro de 2005, arrecadou quase 400 milhões de dólares, melhor desempenho obtido por uma empresa privada chinesa em uma Oferta Pública Inicial (IPO). Logo no primeiro dia, o preço de cada ação passou de 15 para 21,2 dólares. Em 2006, no momento de maior valorização, chegou a 45 dólares.

Esses dois homens têm um fato em comum em sua biografia: ambos alcançaram o sucesso como empreendedores, o reconhecimento profissional e a riqueza graças à fabricação de produtos fotovoltaicos, que convertem a energia solar em eletricidade. Embora ainda tenha um tamanho relativamente modesto, esse mercado vem apresentando evolução impressionante nos últimos anos e as perspectivas futuras são animadoras. Em 2006, a área movimentou no mundo 20 bilhões de dólares, com crescimento na próxima dé cada projetado em 25% ao ano, até alcançar 150 bilhões de dólares em 2015.

Ovshinsky e Shi viraram símbolos da nova era energética global e colhem hoje os frutos de seus investimentos pioneiros na área. Ambos procuraram formas de viabilizar economicamente a exploração da energia solar, oferecendo produtos mais baratos e mais eficientes que os dos concorrentes. Com o investimento em pesquisas feito por empresas como a Energy Conversion Devices e a Suntech, o custo dos equipamentos solares tem sido gradualmente reduzido. Em 1980, ficava em torno de 30 dólares por watt, cifra que desencorajava a adesão de famílias, empresas e governos à energia solar. Hoje, esse valor não passa de 4 dólares por watt. A perspectiva é de que logo possa atingir 1 dólar por watt, igualando-se ao da energia derivada de combustíveis fósseis como o petróleo.

O empreendedor americano e seu par chinês chegaram ao mercado solar por trajetórias bem diferentes. Espécie de “professor Pardal”, com mais de 300 patentes registradas, Ovshinsky gastou boa parte das últimas quatro décadas tentando convencer investidores da lógica comercial de seu maior projeto, uma máquina gigantesca capaz de produzir painéis fotovoltaicos muito mais baratos que os disponíveis no mercado até então. Muitos dos que apostaram em seu negócio desistiram no meio do caminho, mas os que continuaram ao lado de Ovshinsky começam agora a ver os resultados decorrentes da persistência. A Energy Conversion Devices transformou-se na maior produtora de materiais fotovoltaicos dos Estados Unidos. As vendas da divisão de energia solar da empresa quadruplicaram nos últimos três anos, alcançando 90 milhões de dólares em 2006.

No caso do chinês Shi, os negócios ligados ao mercado de energia solar entraram em sua vida quase por acaso. Em 1988, ele embarcou para a Austrália como integrante do programa estatal que financia a ida de milhares de estudantes chineses para fazer pós-graduação no exterior. No início de sua carreira acadêmica no departamento de física da New South Wales University, na cidade de Sydney, chegou a trabalhar num restaurante para complementar a minguada bolsa de estudos do governo chinês. Ao final do período de permanência previsto pelo programa de intercâmbio, Shi começou a buscar alternativas que lhe assegurassem a permanência por mais tempo na Oceania. Acabou batendo às portas do professor Martin Green, especialista em energia solar que procurava estudantes com experiência em óptica para fazer parte de sua equipe. Shi foi selecionado e fez doutorado sob orientação de Green, concluído em 1992, mesmo ano em que assumiu a direção de uma empresa criada para vender as tecnologias na área de energia solar desenvolvidas pela universidade.

Sua vida deu uma guinada decisiva em 2000, quando enxergou a oportunidade de voltar em grande estilo à terra natal. Animado com as notícias sobre a formidável expansão da economia chinesa, Shi achou que era um bom momento de vender um projeto de construção de uma indústria de energia solar no país. O governo da cidade de Wuxi, nas proximidades de Pequim, virou sócio do projeto e, em 2001, entrava em operação a Suntech. Entre 2003 e 2005, a receita bruta da empresa passou de 14 milhões para 225 milhões de dólares. Em 2006, houve novo salto no faturamento: 218 milhões de dólares apenas no primeiro semestre. O atual valor de mercado da Suntech é 5,5 bilhões de dólares, o que a coloca na condição de maior empresa de energia solar do mundo.

Cerca de 80% das receitas da Suntech vêm do exterior. Um dos grandes clientes é o governo espanhol, que assinou contrato para o fornecimento, a partir de 2007, de 120 000 módulos solares para aquele que virá a ser o maior parque fotovoltaico do mundo, projetado para ocupar uma área de 65 hectares e abastecer 40 000 domicílios na cidade de Trujillo. O projeto faz parte de um programa estatal que obriga as indústrias do país a comprar 100% da produção espanhola de energia solar, ainda que pagando de três a quatro vezes mais do que a tarifa média. A preocupação em encontrar substitutos para o petróleo e combater o aquecimento global tem originado muitos outros projetos de incen tivo à energia solar ao redor do planeta. Nos Estados Unidos, o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, anunciou recentemente um programa que deve injetar 3,3 bilhões de dólares no desenvolvimento da modalidade ao longo dos próximos anos. Uma das ações é a isenção de impostos que permitirá a redução de 30% no custo dos equipamentos para produção doméstica de energia solar. O projeto prevê a instalação em 1 milhão de residências até 2018.

Por causa das políticas verdes adotadas ao redor do mundo, muitos outros empresários começaram a olhar com interesse a área. Nos últimos dois anos, os investimentos em energia solar do setor de private equity e venture capital passaram de 500 milhões de dólares para quase 2 bilhões. As previsões que dão conta de uma evolução anual do mercado de até 30% nas próximas décadas sustentam o interesse dos investidores, mas já há quem questione se a euforia não está exagerada. Alguns especialistas temem que se forme ao redor das energias limpas uma bolha especulativa semelhante à corrida irracional pelas empresas de internet no fim da década de 90. Por ora, a única coincidência que une os dois fenômenos é que muitas das novas empresas ligadas ao mercado de energia limpa estão sediadas no Vale do Silício, centro mundial da chamada Nova Economia. São companhias que decidiram estender sua atuação no setor de informática para o mercado de energia solar.

A referência de todos os neófitos no negócios são as trajetórias bem-sucedidas de Ovshinsky e Shi. Ambos têm um estilo de vida de pouco tempo para lazer e muita dedicação ao trabalho. Suas empresas têm gestão profissional, com a contratação de executivos do mercado. Shi é casado com uma chinesa, mas os dois filhos do casal nasceram na Austrália. Ele próprio ganhou cidadania australiana depois de ter passado mais de uma década no país. Ovshinsky, por sua vez, foi casado durante 45 anos com Iris Ovshinsky. Graduada em zoologia e doutora em bioquímica, ela foi também sua grande parceira profissional até morrer, em agosto, aos 79 anos, quando ocupava o cargo de vice-presidente da empresa. Tiveram cinco filhos e quatro netos. Ovshinsky continua morando na residência em que o casal viveu durante muitos anos, em Bloomfield Hills, reduto de milionários próximo a Detroit, Michigan. Mesmo octogenário, continua liderando a companhia com entusiasmo juvenil. Até o final da década, o pioneiro quer construir mais três fábricas, de modo a manter a liderança no mercado que ajudou a inventar nos Estados Unidos.

Fonte: Revista Exame