Caça a jovens talentos é feita antes mesmo da formatura

18 de junho de 2007, às 0h00 - Tempo de leitura aproximado: 7 minutos

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O estudante de ciência da computação, Paulo Roberto Schiavon, 21 anos, não imaginava que antes mesmo de se formar pudesse estar empregado. Um ano de concluir o curso de graduação na universidade Anhembi-Morumbi, ele já exerce, desde abril, a função de analista júnior de desenvolvimento da TCS (Tata Consultancy Services) braço de tecnologia do grupo indiano Tata. Sua contratação aconteceu cinco meses após ter sido descoberto pela empresa em um processo de recrutamento para estagiários, que na época oferecia um total de 40 vagas.

Assim como ele, milhares de jovens agora são caçados pelas companhias ainda na faculdade. Disputa que passou a acontecer mais cedo, reflexo da falta de profissionais especializados e de um mercado extremamente aquecido. Como alternativa, as organizações vêm apostando fortemente na formação daqueles que despontam como potenciais talentos. A TCS, por exemplo, fechou parceria com sete instituições de ensino – Anhembi-Morumbi, Fundação Bradesco, FASP, Impacta Tecnologia, Faculdade IBTA, Centro Universitário de Brasília e Anhanguera Educacional -, para atrair os melhores alunos.

Mas a estratégia não se restringe apenas em divulgar os programas de estágio nas salas de aula. A gigante mantém disciplinas eletivas que envolvem conteúdo de metodologias e ferramentas de engenharia de software adotadas em seus projetos. “É uma forma de disseminar a cultura TCS e treinar o futuro profissional”, afirma Joaquim Rocha, diretor de RH da companhia. “Quem cursar as cadeiras optativas e tiver bom desempenho, poderá ingressar como estagiário”.

Só no ano passado, 250 estudantes foram absorvidos e a expectativa é de que até dezembro de 2007 sejam selecionados mais 500 por meio da iniciativa. Segundo Rocha, a TCS busca os alunos logo no segundo ano da faculdade e não espera o último período para contratá-lo. “Precisamos de gente e quando o estudante se destaca, o efetivamos”, explica. “Até mesmo porque durante o estágio, eles além de serem treinados, o que acelera o aprendizado prático, executam projetos da mesma forma que os outros profissionais”.

A Accenture, que enfrenta o mesmo problema de falta de profissionais seniores, também está buscando estagiários no segundo ano de faculdade. Só que investe em instituições tanto de primeira quanto de segunda linha, em vários tipos de curso. “Se o aluno dominar inglês, a tecnologia nós ensinamos”, afirma Rodrigo Eschembach, diretor de RH da consultoria.

Na sua opinião, há bons alunos em todas as faculdades, escolhidos a dedo. Observa-se o perfil do candidato em relação a situações de motivação, conhecimento técnico e de idioma. “Logo vamos exigir conhecimento de espanhol”, revela. “Não pegamos antes do segundo ano porque ele sabe menos o que quer”. Os candidatos participam de uma dinâmica, com avaliação dos executivos e do RH, discutem casos, como trabalho em grupo. “É preciso mostrar raciocínio lógico, ter um bom perfil”, diz.

O diretor de RH destaca que 90% dos candidatos acabam ficando na empresa depois do estágio. Além de um salário competitivo, a Accenture oferece treinamento e plano de saúde, além de direcionar um mentor para cada aluno, que o acompanhará nas tarefas do dia-a-dia. Hoje, 800 vagas foram abertas em todos os níveis e espera-se contratar até o fim do ano um total de 1, 2 mil pessoas.

O setor de petróleo, além do de tecnologia da informação, também investe pesado na formação de profissionais para resolver o problema de falta de mão-de-obra qualificada. O BG Group, um dos maiores conglomerados do mundo, por não conseguir gente especializada, decidiu buscar alunos, principalmente de engenharia, na metade do curso em faculdades de primeira linha de São Paulo e do Rio. Os melhores são selecionados para estágio e, no final, participam do programa internacional de trainee, realizado na Inglaterra.

Antes de embarcarem, eles são contratados como analista júnior. E seguem para a maratona de treinamento. Do Brasil, foram enviadas até agora duas pessoas. “Para não perdê-los para a concorrência, já que ao terminar o estágio poderiam ser roubados, preferi não correr o risco”, afirma Reinaldo Barranco, diretor regional de recursos humanos da empresa para a América Latina. “Assim, os incluí no programa internacional. Possibilidade que se estende a outros estagiários de destaque”.

A entrada de multinacionais na área, contribuindo para a escassez de bons profissionais, exige da companhia um forte processo de recrutamento e formação interna. Todos os selecionados são expostos a uma carga de desenvolvimento puxada, com foco nas habilidades gerenciais, técnicas e financeiras. “Em suas mãos ficam a responsabilidade de tocar até dois projetos”, diz. A preocupação em formar talento é tão grande que, recentemente, a subsidiária lançou a campanha “BG first step”, dirigida às universidades.

De acordo com Barranco, a empresa vai até a sala para atrair os alunos, mostrando como funciona a seleção, que leva entre três e quatro meses. Há teste de inglês, de conhecimentos gerais, dinâmica de grupo e para os finalistas exige-se a apresentação de um estudo de caso, assim como acontece nos processos de seleção dos trainees. “Na última seleção, tivemos 3, 5 mil candidatos para 14 vagas, tanto em São Paulo quanto no Rio”, ressalta.

Se a briga por talentos chega às universidades, muitas companhias preferem criar ações que os façam se dedicar exclusivamente ao estudo, sem a necessidade de fazer estágio logo. É o caso do banco de investimentos BBM, voltado ao atacado. A instituição financeira patrocina bolsas de estudo para alunos de várias faculdades e escolas, a exemplo da Fundação Getulio Vargas (FGV), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pontifícia Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e Universidade de São Paulo (USP).

Desta forma, o banco assegura a bagagem acadêmica de disciplinas que considera importante, como matemática. “Nosso mercado é muito complexo e sofisticado. E eles precisam ter conhecimento sólido em muitas matérias, o que exige dedicação”, defende Sérgio Freitas, sócio do BBM, responsável pela área de pessoas. “Buscamos estudantes de engenheiros, administradores e economistas e não queremos que eles façam qualquer tipo de estágio para cumprir apenas exigência curricular”.

As bolsas os impedem de estagiar até o último período, mas os selecionados vão ajudar nos projetos de pesquisas de professores, recebendo um auxílio financeiro. Muitos acabam depois sendo pinçados pelo próprio banco. Atualmente, do quadro de 600 funcionários, 70 são estagiários, quase todos absorvidos depois de se formarem. “Somos rigorosos na seleção, porque é importante. Prova disso é que 80% dos 30 sócios da BBM entraram como estagiários ou recém-formados”, conta.

Na Altran, consultoria francesa especializada em tecnologia e inovação, uma das alternativas encontradas para descobrir talentos é o concurso que premia autores de projetos ligados a engenharia automobilística, o “Academia Altran”. O vencedor ganha um estágio de seis meses no departamento de engenharia da equipe de Fórmula 1 da equipe Renault – parceira da empresa – , em Enstone (Inglaterra), com direito a carro, estadia no local e uma bolsa de 6,5 mil libras.

Já os finalistas ficam cadastrados e podem ser aproveitados em projetos da consultoria. Participam alunos de engenharia e de ciências exatas. No Brasil, este ano, se inscreveram 34 alunos de várias universidades, dos quais 4 foram pré-selecionados. Em 2006, o brasileiro Raul Wolf Pedroso, de 22 anos, apresentou seu projeto de inovação pessoalmente aos chefes da equipe Renault, ficando em segundo lugar. Hoje, trabalha na Renault Brasil, em Curitiba.

A Microsoft, por sua vez, criou centros de inovação no Brasil dentro das universidades para atrair o interesse de jovens que, após qualificados, podem ser fisgados tanto pela gigante quanto pelas 15 mil empresas que fazem parte da cadeia de parceiros da empresa. Atualmente, existem 21 centros instalados em São Paulo, Brasília, Curitiba, Petrópolis, Recife, Salvador, Fortaleza e Porto Alegre. “Queremos incentivar o uso da tecnologia Microsoft, oferecer capacitação profissional e fomentar a indústria nacional de software”, explica Daniel Wollmann, gerente de marketing técnico da companhia.

Em paralelo, há um programa para desenvolvedores na tecnologia .Net. (desenvolvimento de páginas na internet), voltado a alunos que estão cursando até o segundo curso da graduação. Nesse programa, os alunos podem ser contratados para posições mais juniores da Microsoft. São cinco etapas classificatórias que ao final são selecionados 650 pessoas. Este ano, já se inscreveram 24 mil estudantes e o processo de recrutamento vai até o próximo dia 30 de junho. (Colaborou Stela Campos)

Fonte: Valor Econômico On-line.